Política Nacional de Cuidados propõe enfrentar estrutura desigual do trabalho desse meio
Sancionada no fim de 2024, a legislação define o direito universal ao cuidado e os direitos das pessoas que exercem esse tipo de trabalho, realizado majoritariamente por mulheres
Por Beatriz de Oliveira
17|01|2025
Alterado em 17|01|2025
Reconhecendo o cuidado como um trabalho essencial, a Política Nacional de Cuidados (PNC) foi sancionada no fim de 2024, sendo resultado de uma articulação entre vários ministérios e organizações da sociedade civil. A legislação determina, entre outras coisas, o reconhecimento e redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado majoritariamente pelas mulheres.
As mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas, de acordo com levantamento feito em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, a economista e consultora do Ministério das Mulheres do Governo Federal Marilane Teixeira, explicou que, no contexto da legislação sancionada, o cuidado é “visto como um bem público essencial para o funcionamento da sociedade e para a garantia de direitos e igualdade”. E acrescenta que o cuidar “abrange tanto atividades diretas, como ajudar uma pessoa com mobilidade reduzida, quanto indiretas, como limpeza e preparo de alimentos; ele é considerado um direito universal que inclui o direito de receber cuidado, cuidar de outros e o autocuidado”.
A doutora em Serviço Social, pesquisadora e professora universitária Thamires Ribeiro aponta a importância de reconhecer a atitude do cuidar como um direito para “modificar esta forma desigual, injusta e insustentável que o cuidado é organizado socialmente no Brasil, diminuindo a sobrecarga do trabalho de cuidado e doméstico não remunerado”.
A pesquisadora destaca que num contexto em que o Estado não assume a responsabilidade compartilhada de prover serviços de cuidado, muitas famílias não têm condições de pagar por esses serviços, ou contratam de forma mal paga, em maioria, mulheres negras. “Desse modo, a forma que o cuidado é organizado socialmente no Brasil é considerada desigual, injusta e insustentável”, afirma.
O que diz a Política Nacional de Cuidados?
A Lei Nº 15.069 institui a Política Nacional de Cuidados e faz direcionamentos para a futura criação de um Plano Nacional de Cuidados, que contará com definições mais específicas para a aplicação da lei.
Logo no seu início, a legislação reconhece que todas as pessoas têm direito ao cuidado, e que isso deve ser compreendido como: o direito a ser cuidado, a cuidar e ao autocuidado. Entre os objetivos descritos estão:
Garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado;
Promover políticas públicas que garantam o acesso ao cuidado com qualidade para quem cuida e para quem é cuidado;
Promover o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, de maneira a enfrentar a precarização e a exploração do trabalho;
Promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres;
Promover o enfrentamento das múltiplas desigualdades estruturais no acesso ao direito ao cuidado, de modo a reconhecer a diversidade de quem cuida e de quem é cuidado.
Para Marilane Teixeira, as principais contribuições da Política Nacional de Cuidados incluem o reconhecimento do cuidado como direito universal, a promoção de igualdade de gênero e redução de sobrecarga para mulheres e a dinamização da economia e geração de empregos. “A implementação da PNC tem potencial para criar empregos no setor de cuidados, como creches, serviços para idosos e assistência a pessoas com deficiência. Além disso, ela contribui para a dinamização de setores relacionados e para a ampliação da base tributária”, explica.
Segundo a pesquisadora, “essas contribuições refletem uma tentativa de reorganizar o cuidado na sociedade brasileira, tornando-o mais justo, sustentável e inclusivo, além de atender a demandas crescentes em decorrência do envelhecimento da população e mudanças nas estruturas familiares”.
Sobre o reconhecimento do trabalho não remunerado de cuidado, Thamires Ribeiro afirma que é um avanço, pois o plano visa “reconhecer essas atividades como trabalho, reduzir a sobrecarga de demandas de cuidados nas famílias, e redistribuí-las entre as pessoas, o Estado, o território, a sociedade civil e o mercado, numa perspectiva de responsabilidade compartilhada. Isto visa ter um impacto direto na diminuição da sobrecarga de trabalho realizado por mulheres, principalmente negras e pobres”.
‘Cuidar de quem cuida importa’
A legislação define que deve ocorrer o compartilhamento de responsabilidades de cuidado entre o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil; bem como a corresponsabilidade entre homens e mulheres pelos cuidados. Além disso, considera a existências de múltiplas desigualdades no contexto atual de cuidados, incluindo questões de de classe, sexo, raça, etnia, idade, território e deficiência.
O texto especifica ainda um público prioritário, composto por:
Crianças e adolescentes, com atenção especial à primeira infância;
Pessoas idosas que necessitem de assistência, de apoio ou de auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;
Pessoas com deficiência que necessitem de assistência, de apoio ou de auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;
Trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado;
Trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado.
Thamires pontua que a definição dos públicos prioritários parte de uma perspectiva de universalismo progressivo que considera as desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira. “Nesse intuito a política prevê o atendimento de quem necessita de cuidados diretos, mas também de quem cuida. Cuidar de quem cuida importa”, explica.
Em relação à criação do Plano Nacional de Cuidados, o texto pontua que deverá considerar ações intersetoriais, incluindo as áreas de assistência social, saúde, educação, trabalho e renda, cultura, esportes, mobilidade, previdência social, direitos humanos, políticas para as mulheres, políticas para a igualdade racial, políticas para os povos indígenas e para as comunidades tradicionais, desenvolvimento agrário e agricultura familiar, entre outras.
“Considero interessante atentar se as metas e ações atendem principalmente a realidade de mulheres negras no Brasil, a previsão de recursos orçamentários a serem empregados, e como será composto a governança deste Plano, o controle social no processo de monitoramento e avaliação”, destaca Thamires.
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